terça-feira, 24 de março de 2009

Gran Torino

Uma das vantagens de ter mais que 50 anos é ter podido ver todas as fases do Clint Eastwood e pensar em quanto esse senhor ainda vai nos surpreender.
Vou falar um pouquinho do Clint, se me permitem...
O primeiro filme que me lembro dele, sem precisar recorrer ao IMDB é "O bom, o mau e o feio", um western com tudo que se tem direito.
Mas acionei meu IMDB para ver por onde ele começou e notei que um de seus primeiros trabalhos foi como tecnico de laboratório num filme chamado "A vingança da criatura", ou seja ele já começou do outro lado das câmeras.
Na frente delas ele fez muitas coisas na TV e aparentemente estreiou em 1964, no filme "Por um punhado de dólares" e em 1966 estava neste que eu assisti, dirigido por Sergio Leone e já ostentava aquela expressão que muitos piadistas dizem ser a única que tem.
Ainda bem, se faz o que faz com uma única expressão, se tivesse duas, corria o risco de ser o maior ator do planeta.
Depois Clint me chamou a atenção quando fez "Perseguição Implacável" o filme que lançou o personagem Dirty Harry, (Harry Callaham) um policial que a maioria dos criminosos ia preferir não encontrar pela frente.
Este filme é de 1971, dirigido por Don Siegel e - para mim - o divisor de águas dos filmes policiais. Muitos anos depois recomendei a um amigo que pegasse na locadora e fiz elogios ao filme, no da seguinte ele me falou que nunca viu tantos clichês em um único filme e eu fui obrigado a responder que os clichês começaram todos neste filme. Antes de Dirty Harry a maioria dos policiais eram bonzinhos, mesmo os desonestos. Dirty era apenas honesto e fazia seu trabalho, sua frase favorita era "Make my day" um termo em inglês que significa algo como "me faça feliz". Isso - normalmente - enquanto apontava sua magnun 45 para a cabeça do sujeito.
Após inúmeras continuações de filmes com este personagem, Clint cansou de parecer mau e andou fazendo uns filmes onde tentava ser engraçado e nesta época tivemos sua pior fase, mas se assistir "Cadilac cor de rosa" de novo é capaz de eu entender melhor.
Clint começou cedo sua carreira de diretor e se meteu em todas as áreas, dirigiu excelentes faroestes ou filmes de ação como Firefox, dirigia a si próprio ou a atores consagrados, ou ambos, como fez em "Mundo Perfeito" onde faz um policial que persegue um dos melhores personagens de Kevin Costner.
E fez classicos como "Bird", a história do músico Charlie Parker, interpretado pelo excelente Forrest Whitaker, depois fez "Pontes de Madison", um líbero ao amor e conquistou até mesmo as feministas após dirigir Meryl Streep neste filme de uma sensibilidade inacreditáve, embora Clint já tivesse demonstrado antes que é muito mais que um ator canastrão.
Para mim seu melhor filme até então tinha sido "Os imperdoáveis" onde dirige a si próprio em um wersten em que sacaneia a seus antigos personagens, mas faz isso de forma tão séria que muita gente que não o conhecia não percebeu que o filme era uma sátira, até hoje se encontra pessoas que acham que "Imperdoáveis" é apenas um faroeste com um cara muito malvado. O discurso ao final, do personagem William 'Bill' Munny é uma das maiores gozações jamais vistas em um roteiro de filme e a interpretação de Gene Hackman, como xerife é inesquecivel.
Mas enganou-se quem achou que Clint tinha atingido seu ápice, com "Garota Dourada" ele mostra que não perdeu a mão e faz um dos mais sensiveis filmes de boxe que o cinema já mostrou e neste filme a estrela é uma mulher.
A conta de quantos Oscars Clint já concorreu é grande, foram 61 indicações e faturou 4 estatuetas e o cara é um faz-tudo ainda por cima, escreve dirige e compõe, como um Charles Chaplin dos tempos modernos.
Recentemente produziu "Historias de Iwo Jima" e não se contentou em fazer apenas um filme, fez logo dois sobre o mesmo tema, em um mostra o ponto de vista dos americanos e no outro o ponto de vista dos japoneses. São filmes absolutamente distintos, embora falem exatamente do mesmo assunto, achei fantástico, mesmo não tendo feito muito sucesso no cinema.
Clint não está nem ai para o sucesso, faz o que ele quer e do jeito que quer e mesmo quando não ganha muita grana ou fatura um Oscar ele certamente se diverte.

FINALMENTE VAMOS FALAR DE GRAN TORINO

Certamente Gran Torino é um dos filmes em que Clint se divertiu mais do que trabalhou, sua interpretação é exageradamente forçada, com direito e rosnar e tudo.
Gran Torino faz a gente rir, especialmente com o duelo entre o personagem racista Walt Kowalski e todo o resto do elenco, deve ter sido muito dificil gravar tudo aquilo pois provavelmente todos deviam rolar de rir após cada cena.
Mas nem por isso o filme é leve, o tempo todo ele mexe com questões sociais muito sérias e só Clint mesmo tem coragem de criar um personagem capaz de fumar o tempo todo em uma época onde filmes feitos para fazer sucesso, como "Wathmen" acabam prejudicados pela preocupação dos produtores em que um personagem que tem que fumar muito não apareça com cigarros, embora o mesmo filme não se preocupe em mostrar - várias vezes - um bilau de um cara careca e azul.
Gran Torino não mostra cenas de violência explica (não muitas) não mostra mulheres nuas e nem tem mulheres charmosas e bonitas, a protagonista é uma chinesinha muito simpática e excelente atriz, que até poderia ser uma chinesa sexy, mas não é o objetivo.
Walt é um sujeito rancoroso, irredutivel, irrascivel... é o tipo de vizinho que seria melhor não ter e o filme começa justo quando ele perde seu único vínculo com a bondade, sua mulher.
Durante o filme fica claro que ele tinha motivos para ser rancoroso daquele jeito, lutou na guerra da Coréia e voltou vivo, mas deixou lá qualquer resquício de bondade... ou pensa que deixou.
O filme segue num "crescendo" e mesmo que o final seja previsível Clint nos surpreende com algo absolutamente inesperado, acho até que o filme deveria terminar ali e podia perfeitamente ficar sem a continuação do final, que quase compromete tudo, mas tudo bem... acho que nem Clint pode fazer o que quiser.
O personagem Walt aparentemente não está satisfeito com a criação que deu aos dois filhos e ironicamente começa a dar atenção justo ao jovem que mais desprezava, um chines que vive pressionado pela familia constituida basicamente de mulheres (avó, mãe e irmã) e que vive entre a cruz do preconceito e a caldeira de primos que querem convence-lo a participar de uma gang de bairro.
Tudo parece muito normal e o roteiro nem é tão forte, só o que torna o filme interessante é a presença marcante de Clint, ninguém poderia fazer este papel e nenhum diretor teria a coragem de aceitar um personagem tão forçado quanto este, mas no final das contas é justo este personagem que segura o filme, apesar da participação absolutamente correta de todos os demais atores, nenhum de grande projeção.
Clint não me surpreendia desde "Os Imperdoáveis", sempre mantém um certo ritmo e uma qualidade em seus filmes que os torna previsíveis, mas neste ele me surpreende, não só com um final inesperado (na verdade esperado, mas que surpreende) mas também com as concessões que faz a si mesmo para interpretar de uma forma diferente e que só os grandes atores se permitem, pois não estão nem aí com o que os críticos vão dizer.
E não sei se fui apenas eu... mas me senti o tempo todo no cenário de GTA San Andreas.

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